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Tu Bishvat: renovar o compromisso com a resiliência socioambiental e a paz

Por Rubens Harry Born

A data de Tu Bishvat é, no calendário judaico, um marco de início de mais um ciclo de vida: o ano novo das árvores. No momento atual, revela-se de grande importância para o contínuo esforço de conscientização sobre condutas individuais, comunitárias, sociais e institucionais tendo em vista os desafios civilizatórios, em todo o mundo, de enfrentamento das crises existentes no planeta.

Para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o mundo passa por uma tripla crise ambiental: a crise das mudanças do clima, a crise da perda e da degradação dos ecossistemas e de espécies vivas (a crise da biodiversidade), e a crise da poluição das águas, do ar e do solo.

Reconhecem-se também as crises nas dimensões sociais, econômicas e políticas, reveladas pelo crescente número de pessoas deslocadas em razão da pobreza e da desigualdade, fenômenos que estão associados muitas vezes às crises ambientais. Refugiados da África buscando chegar a outros continentes em razão da seca e da fome, por exemplo.

No Brasil, os impactos das mudanças do clima e da degradação ambiental se tornaram cada vez mais evidentes e dramáticos: a quase esquecida crise hídrica de 2015 na região sudeste, ou as chuvas intensas, inundações e deslizamentos de encostas no litoral paulista em 2023, entre outros exemplos, refletem a inadequação de ações humanas (em vários níveis) com a ocupação e uso sustentável dos espaços e bens ambientais.

Tais crises podem ser interpretadas como formas de guerra com a base da Vida, com a perda do vínculo de responsabilidade com o próximo, seja o ser humano ou a Natureza.

Em 2023, o planeta teve a maior temperatura média nos últimos 125 mil anos, e o Brasil também passou por recordes de tempo quente. O planeta já sofreu um aquecimento médio de aproximadamente 1,1 ºC (temperatura média global), desde meados do século XIX.

Cientistas já indicaram caminhos possíveis para o enfrentamento das mudanças do clima e das demais crises. Há causas comuns: padrões e tecnologias de atividades produtivas que desconsideram a capacidade de suporte e resiliência da natureza, por um lado, e por outro, os estilos e a intensidade insustentável de consumo de bens e serviços, a vulnerabilidade natural de algumas regiões (ex: encostas, dunas, florestas etc.) e a vulnerabilidade socioeconômica de comunidades com menor renda, em geral mais impactadas pelos efeitos de todas essas crises.

Para enfrentar a crise climática, desde a Rio-92 o mundo busca, mediante consenso entre países, a implementação de políticas e medidas para diminuir a emissão antrópica de gases de efeito estufa, por um lado, e de apoiar as iniciativas de adaptação aos efeitos considerados irreversíveis ou de alta probabilidade de ocorrência. O Acordo de Paris, de 2015, com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 oC até o fim deste século, mediante compromissos nacionalmente determinados por cada país, não está ainda na trilha adequada para alcançar tal meta, como foi reconhecido na recente 28ª Conferência das Partes (CoP 28) da Convenção da ONU sobre Mudanças do Clima, realizada em Dubai, em dezembro de 2023. As emissões acumuladas de dióxido de carbono (CO2) já somam cerca de 80% do total que deveria ser o limite indicado pelos cientistas para se garantir a probabilidade de 50% de fazer o planeta não ultrapassar 1,5 ºC de aquecimento global. Para isso, estudos indicam ser necessário reduzir as emissões globais em 43% até 2030 e 60% até 2025, em relação aos níveis existentes em 2019 e ter em 2050 a “emissão zero” de CO2 (emissões reais, descontadas as formas de captura desse gás da atmosfera).

Tal monumental esforço vai requerer, por exemplo, a recuperação de áreas que já foram florestas e outros ecossistemas de cobertura vegetal, o que nos ajudaria também a fortalecer a resiliência de áreas mais vulneráveis, diminuir os riscos e impactos das crises ambientais. Isso é importante, sobretudo para Brasil e outros países em que o desmatamento e a perda da biodiversidade é componente principal da crise ambiental. Mas só plantar árvores e proteger florestas não será suficiente.  Será necessário fazer a transição para a agricultura ecológica e de baixo carbono, com produtos mais saudáveis; sistemas de mobilidade menos poluentes, de energias limpas e sustentáveis; reorientar as formas e padrões urbanísticos e das edificações, para que demandem menos energia (por ex: ar-condicionado e iluminação). Também é importante a transição energética, para diminuir, o mais rapidamente possível, o uso de combustíveis fósseis, fonte de mais de 75% das emissões de gases de efeito estufa. A CoP28 sinalizou tal diretriz em uma de suas decisões, cujo cumprimento dependerá da “vigilância” de todas as pessoas.

As transformações demandam o engajamento de todos os setores da nossa sociedade, nos diversos países. Deveriam inspirar novos enfoques e princípios para os empreendimentos econômicos e para as finanças em geral. Demandam compromissos dos Poderes Públicos, em políticas adequadas para lidar com tais crises.  Para estancar as guerras com o ambiente planetário, é preciso também fomentar processos de diálogo e de construção de convivência entre seres humanos e países, acabar com as guerras e o terror.

Tudo isso requer termos consciência dos valores éticos e de justiça que propiciem a humanidade fazer a transição para a sustentabilidade planetária, transição que deve ser necessariamente acompanhada da busca pela paz.

Tu Bishvat nos proporciona um momento para a reflexão e para inovar, renovar ou modificar compromissos com a Vida. É uma data adicional aos outros momentos judaicos de celebrar novos anos, quando declaramos que vamos nos lembrar da Vida (Zochrenu Le Chaim   / זכרנו לחיים ). Para além de plantar árvores, precisamos, com esperança, semear sustentabilidade, resiliência e paz!

Sun, 5 May 2024 27 Nisan 5784